Por Inês de Castro, Head of People da Worten. Texto originalmente publicado na RH Magazine.
Na vida organizacional parece existir uma inevitabilidade…a partir do momento em que nos tornamos lideres, a nossa escalada na hierarquia da liderança é proporcional à solidão inerente ao papel que representamos.
Qualquer pessoa que já tenha experienciado ser líder por certo sentiu esta dicotomia: quantas mais ou maiores as equipas e mais linhas de reporte, quanto mais próximo se está do topo da pirâmide do poder da organização, mais sós nos encontramos.
É suposto o líder ser “amigo” das equipas, mas simultaneamente conseguir manter o “distanciamento higiénico” para que consiga tomar decisões sem se deixar afetar pelas relações que estabelece e, por outro lado, é suposto ser um “filtro” aos temas, desafios e pressões que chegam impostos pelos stakeholders superiores e pelos pares, permitindo à equipa manter-se focada na entrega operacional e tática.
A competição silenciosa também costuma aumentar à medida que nos aproximamos do topo (gosto deste termo “competição silenciosa”, adoteio-o na minha gestão RH porque considero que representa muito bem a competição que existe a partir de um certo nível da hierarquia das organizações, ou seja, aquela que não é necessariamente explícita e que possivelmente até escapa aos olhos da maioria, mas que está lá, bem presente, nas “bocas” entre pares nas reuniões de direção, na luta pelos projetos, na procura pela ribalta junto à Comissão Executiva ou ao board, no gostinho discreto em ver o falhanço do colega do lado…Faz sentido, menos lugares disponíveis, maior a competição e a exigência para conquistar e manter esse mesmo lugar).
Pensemos então no CEO: acima dele está habitualmente o chairman ou o presidente da empresa ou grupo…pares habitualmente , não tem, a não ser que sejam os CEO de outra empresas do grupo, mas por norma distantes (não esqueçamos que a “competição silenciosa” também ocorre a este nível)…abaixo tem centenas e centenas de pessoas, mas das quais necessita manter a devida distância para conseguir ter uma visão holistica da empresa e tomar as decisões necessárias. Quando necessita de “bater umas bolas”, ou seja, trocar ideias ou pensar em conjunto sobre um tema, com quem o vai fazer? Quando quer desabafar porque teve um mau dia ou “praguejar” sobre o seu chefe (o chairman/presidente), com quem será seguro fazê-lo sem consequências?
O papel dos RH junto das lideranças não é importante apenas porque necessitamos de desenvolver as competências dos nossos líderes ou garantir que fazem bem o seu trabalho junto das equipas que lideram. Tudo isto é muito importante para qualquer organização funcionar, mas hoje quero falar-vos de um outro papel fundamental dos gestores RH: garantir que os líderes não estão demasiado sós, garantir que têm no gestor RH o suporte, a “bengala”, o confidente de que tanto necessitam, a pessoa com quem podem desabafar, pedir conselhos sobre a gestão das equipas ou para a sua própria carreira, fazer um comentário sobre a chefia num dia mau ou até admitir que estão perdidos no caminho a seguir num determinado tema…
Já fiz este papel vezes sem conta. Já assisti a profissionais seniores, verdadeiros “tubarões” do retalho e de outras indústrias em que já trabalhei a chorarem como crianças, cansados da pressão ou frustrados pela ausência de reconhecimento ou simplesmente porque se “perderam no caminho” e já não sabem qual o próximo passo. Costumo dizer às minhas equipas que o papel do Gestor RH é exatemente igual ao papel de um padre: sabemos tudo sobre toda a gente, mas guardamos para nós e tentamos ajudar ou simplesmente limitamos-nos a escutar.
Estamos sempre tão preocupados com os processos, os regulamentos, os projetos…que às vezes nos esquecemos que o maior valor que um profissional RH tem para a organização é este trabalho invisível, de detetar a fragilidade e estar lá para suportar e orientar.
As organizações vivem de sinergias, interligações e conexões entre os indivíduos que nelas trabalham. Se pensasse numa imagem que representasse uma organização, pensaria numa rede neuronal, em que os elementos simples, interligados entre si e em interação com o ambiente constituem a forma de funcionar de uma empresa. Os gestores RH seriam um (ou mais) desses neurónios que recebem e enviam informação constante, permitindo à rede continuar a funcionar.
É este o nosso papel para além dos processos, do cumprimento da legislação, das regras e regulamentos. É este o nosso verdadeiro valor nas organizações. Ser gestor RH é primeiramente compreender que todos – mesmo o CEO – somos pessoas. Com as nossas fraquezas, dúvidas, ansiedades e a necessidade de não nos sentirmos completamente sós, apesar de rodeados de muitas pessoas.
Assim, o conselho que deixaria é que invistam o vosso tempo a escutar, a estarem disponíveis para conversar, a conhecerem as pessoas por detrás das funções ou dos títulos. O ritmo acelerado que todos levamos tira-nos o tempo para esta nossa missão elementar – estar e escutar as pessoas, em especial os líderes – mas é fundamental que pelo caminho da nossa própria solidão mantenhamos a capacidade de ser o porto de abrigo e farol para os outros.