Por Jorge Castanheira
Consultor de Marketing, Comunicação, CRM, Customer Experience e Transformação Digital. Professor convidado do INDEG-ISCTE
PARTE 1
Em 1996, o americano RyCooder, conceituado guitarrista, escritor, compositor e produtor musical foi convidado para ir a Cuba para coproduzir um disco que resultaria de uma colaboração entre músicos cubanos e músicos do Mali. Infelizmente, os músicos do Mali não conseguiram obter os vistos para poderem viajar para Havana, inviabilizando, naturalmente, o projeto idealizado. Foi aí que RyCooder e o seu parceiro no projeto, Nick Gold da WorldCircuit Records, tentaram encontrar uma alternativa para rentabilizar os esforços já efetuadose decidiramcontinuar a produzir um discomas apenas com músicos locais. O projeto original incluía já um diretor musical e alguns músicos cubanos e foram estes que apoiaram a busca dos músicos adicionais necessários para a realização deste novo desafio.
A maioria dos músicos cubanos que foram encontrados e convidados para participareno álbum eram referências incontornáveis da música popular cubana e que tinham tido o seu apogeu musical nas décadas de 1940 e 1950. No entanto, após a mudança de regime político ocorrido nessa mesma época, passaram rápida e diretamente para um anonimato e esquecimento total, tendo isto acontecido no momento exato em que estavam no auge das suas carreiras e das suas capacidades artísticas.
Em 1996, quando foram resgatados, eram poucos aqueles que tinham tido a oportunidade de continuar a desempenhar aquilo em que se destacaram graças aos seus inequívocos talentosIbrahim Ferrer, conhecido a partir deste disco como o Nat King Cole cubano, tinha na altura 70 anos, estava semiaposentado e engraxava sapatos para ganhar um suporte financeiro extradurante osseus passeios diários pelas ruas de Havana. O pianista Ruben Gonzalez sofria de artrite e, no momento da gravação com Coodernão tinha sequer acesso a um piano há muitos anos. Ruben contava, nessa altura, 77 anos. Juntaram-se ainda, os cantores PíoLevya, 79, e Manuel PuntillitaLicea 69 e a única mulher do projeto, a jovem Omara Portuondo com os seus frescos 66 anos.A equipa de luxo ficou completa com Compay Segundo que, com 89 anos, era o mais velho deste venerável grupo.Após o sucesso do disco, eles ficaram conhecidos em Cuba como “Los Superabuelos” (os Superavôs).
O projeto chamou-se Buena Vista Social Club, o disco foi gravado em apenas seis dias e contém catorze faixas, vendeu mais de um milhão de cópias e ganhou um prêmio Grammyem 1998. Em 2003, foi listado pela revista Rolling Stone no 260.º lugar na tabela dos 500 melhores álbuns de todos os tempos. Deu origem ainda a vários discos a solo de alguns dos seus componentes, algumas apresentações ao vivo, nomeadamente Amesterdão,o emblemático concerto no Carnegie Hall em Nova Iorque e um documentário realizado por WimWendersque prolongou e ampliou o sucesso do disco.Este documentário foiindicado paraOscar de melhor documentário em 1999,ganhou o prêmio de melhor documentário nosPrémios do Cinema Europeu erecebeu ainda outros dezassete prêmios internacionaisimportantes.O impacto deste projeto e do seu sucesso foi de tal forma ressaliente ao ponto de gerar um renascimento generalizado do gosto pela música cubana e pela música latino-americana como um todo.
Mas o mais importante que todo este fenómeno e também o mais relevante para este artigo é que este projeto resgatou do anonimato e até da obscuridade, pessoas talentosas que tinham simplesmente desistido devido, essencialmente, a duas razões, por terem sido afastadas e impedidas de forma radical de fazer aquilo que o seu talento as capacitava e por já terem chegada a uma faixa etária avançada que, “naturalmente”, os impedia de terem oportunidades de voltar a fazer o que faziam de melhorO que o RyCooder e o NIck Gold fizeram foi criara oportunidade certa, para que eles viessem a demonstrar que ainda tinham muito para dar ao mundo das artes, à sociedade, a quem os estimava e a eles próprios.
Mesmo assim, temos de admitir que no ambiente das artes, existe uma maior normalização do prolongamento da idade ativa e do reconhecimento do talento independentemente da idadefísica, sendo o caso mais paradigmático, na minha opinião, os Rolling Stones que continuam a encher estádios com a sua postura e energia, mas felizmente, o que não faltam são outros bons exemplos em diferentes áreas da cultura e do entretenimento.
Em oposição, esse efeito positivo tem grande dificuldade em materializar-se em áreas profissionais mais comuns e com características mais racionais e pragmáticas. Aí e lamentavelmente, o efeito prático, na sua generalidadeé exatamente o contrário. A verdade é que uma pessoa com mais de 50 anosque seja despedida, sabe de antemão que será muito difícil conseguir voltar ao mercado de trabalhoporquecada vez menos se valoriza a experiência profissional adquirida e a maturidade inerenteIsto, no momento em que estamos a ser globalmente confrontados com a maior transiçãodemográfica de todos os tempos.
Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo. O INE refere, “agravou-se o fenómenode duplo envelhecimento da população”, caracterizado por um aumento da população idosa a par de uma redução da população jovem. Um em cada quatro portugueses tem mais de 65 anos. A nível nacional, em 2021 existiam 182 idosos para cada 100 jovens, o que compara com o ano de 2001 em que o número de idosos era praticamente igual ao número de jovens (102 para cada 100). Esta mudança, conjugada com o fenómeno do aumento das barreiraspara voltar à vida profissional ativa a partir de determinada idade traz importantes consequências, nomeadamente ao nível económico mas também ao nível mental, correndo o risco de agravar o discreto mas imanente preconceito e tabu face ao envelhecimento. É um fenómeno bastante paradoxal pois, por um lado, envelhecemos como povos mas, por outro, como indivíduos, injetamos cada vez mais nos nossos valores socioculturais a busca pela eterna juventude, que parece cada vez mais próxima graças aos avançosimpressionantes da tecnologia e da medicina.
E é este paradoxo cada vez mais incubado nas nossas sociedades, aliado ao cenário de avançonas questões dadiversidade e inclusão que tornou mais pertinente a preocupação e discussão sobre como sentimos, pensamos e agimos em relação aos outros e nós mesmos com base na idade e como isso se transforma muitas vezes e inevitavelmente em comportamentos paternalistas e preconceituosos que devem ser evidenciados e ultrapassados. O investigador e professor ErdmandPalmore referiu em 2015, “O preconceito de idade é tão parte da nossa cultura que a maioria das pessoas nem mesmo tem consciência disso. É como o ar que respiramos. A maioria das pessoas fica ciente disso apenas quando envelhece o suficiente para sofrer alguma discriminação no emprego ou alguma observação depreciativa ou ‘piada’ sobre a sua idade. Um dos primeiros passos para reduzir o preconceito de idade é aumentar a consciencialização sobre ele.
A este preconceito chama-se idadismo em português de Portugal e etarismo em português do Brasil e a melhor forma de o ultrapassar é capitalizando as diversas oportunidades que esta tendência geracional está a gerar nas diversas sociedades. Mas disso falarei na segunda parte deste artigo que já vai longo.
PARTE 2

Ainda se lembram daquelas duas palavras estranhas com que acabei a primeira parte deste artigo, idadismo e etarismo? Os termos têm um grau de bizarria e menosprezo tão elevado na sociedade que o meu próprio corretor do editor de texto não os reconhece. Não será, com certeza, por acaso que a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou em 2021 uma campanha para o combate ao idadismo. No prefácio do Global Report on Ageism, o diretor geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus e restantes diretores, afirmam que: “O preconceito de idade tem consequências sérias e de longo alcance para a saúde, o bem-estar e direitos humanos das pessoas e custa biliões de dólares à sociedade. Entre pessoas mais velhas, o preconceito de idade está associado a uma pior saúde física e mental, ao aumento do isolamento social e solidão, maior insegurança financeira e diminuição da qualidade de vida e até morte prematura” (Global Report on Ageism, 2021 p. 9).

Por outro lado, e felizmente que há quase sempre um outro lado nos fenómenos, o aumento do tempo de vida das pessoas promove, tendencialmente, um potencial de crescimento económico que pode compensar os efeitos de um peso quase maioritário de pessoas com mais de 60 anos na sociedade como defendem diversos especialistas, nomeadamente, o professor Andrew J. Scott da London Business School of Economics e uma das referências internacionais na economia da longevidade. Num artigo publicado no The Lancet HealthyLongevity, Andrew J. Scott refere que “tal economia (a da longevidade) tem o potencial de contribuir para o crescimento do produto interno bruto por meio do emprego e do capital humano. A mudança para uma economia da longevidade requer menos dependência de políticas declaradas puramente em termos de idade e mais na extensão das políticas existentes voltadas para a diversidade das necessidades e circunstâncias dos diferentes grupos etários”. E esta afirmação, pode não parecer, mas é uma verdadeira negação do paradigma geracional vigente e é, claramente, um repto urgente para que se definam e se adotem novas abordagens nas mais diversas áreas. Veja-se por exemplo a área laboral, o professor refere no mesmo artigo, “À medida que as pessoas trabalham mais, a idade em que param de trabalhar varia, optar por não se aposentar (ou seja, retornar à vida ativa após a reforma) torna-se cada vez mais comum, as pessoas mudam para o trabalho a tempo parcial em vez do trabalho com horário integral ou envolvem-se em atividades sociais. Como resultado, os trabalhadores mais velhos incorporam uma maior diversidade. Essa variedade aplica-se não só ao emprego, mas também à saúde, à educação e a uma ampla gama de fatores socioeconômicos. Como consequência, a idade cronológica desempenha um papel decrescente na definição de um conjunto comum de problemas entre os trabalhadores mais velhos; as políticas do mercado de trabalho devem centrar-se menos na idade e mais nas características dos trabalhadores, como já acontece com os grupos mais jovens.”

Este impacto estrutural e estruturante desafia os paradigmas das mais diversas áreas da sociedade, desde a gestão até ao desenvolvimento tecnológico, passando pela saúde, pelas políticas públicas (segurança social, fiscalidade), pelo urbanismo, pelo consumo, pelas finanças e pelos seguros, referindo apenas aquelas que me parecem mais óbvias.

É este novo mundo que traz um dos maiores desafios para as nações deste planeta, para o poder político, para as suas sociedades mas também para o mundo empresarial.  A especialista em economia de longevidade Ana João Sepúlveda no seu artigo recente para o Expresso refere que, “Os países que estão a liderar são aqueles que já perceberam o quão estratégico é falar mais em longevidade e menos em envelhecimento (assumindo que a longevidade contém o envelhecimento), são aqueles, como a Irlanda, que estão a implementar estratégias para a promoção da saúde das populações que vai muito mais além da promoção do envelhecimento ativo e saudável.”

O Japão é já o país com a população com a média de idades mais alta (em 2018 28,1% da população tinha mais de 65 anos) e está a usar tecnologia de vanguarda, nomeadamente IA, para melhorar e preparar as cidades para esta nova sociedade. Um dos exemplos é o que o Smart Wellness City-AI (SWC-AI) faz, recolhe, avalia e interpreta big data relacionada com a saúde para apoiar iniciativas e para fortalecer a capacidade dos governos locais e municípios de formularem novas políticas e iniciativas de saúde baseadas em dados processados por IA. O Smart Wellness City-AI (SWC-AI) é uma colaboração proveitosa entre o mundo universitário, graças a Kuno Shinya, professor na Tsukuba University e o mundo empresarial via a unidade Life Value Creation da NTT Data.

Esta é a mais uma grande, se não a maior transformação com que nos deparamos, conseguir olhar para os indivíduos de acordo com o seu comportamento ativo e o seu potencial intrínseco e ignorar a faixa etária onde essa pessoa / recurso está. E agregando todo potencial tecnológico e a inovação, colocando-os ao serviço das pessoas para conseguir potenciar as valências que esses indivíduos possuem.

Parece-me que não há melhor forma para retomar o tema do início e perceber que aquilo que os produtores do projeto Buena Vista Social Club fizeram foi exatamente quebrar o paradigma vigente e olhar “apenas” para o talento valiosíssimo que tinham à sua disposição e transformá-lo numa proposta de valor diferenciada, com indiscutível e inquestionável qualidade, muito relevante e que superou todas as expetativas que tinham sido criadas. Não será isso que nos pedem constantemente na nossa vida empresarial? E será que nunca fomos condicionados pelo preconceito do idadismo quando estamos a liderar ou a colaborar num projeto com este tipo de propósito? Se sim, nunca saberemos se o resultado final poderia ter sido melhor se não tivéssemos esse tipo de condicionalismo mesmo que inconsciente. No entanto, podemos sempre incorporar estas novas informações e usá-las para tentar obter melhores resultados em futuros desafios com que nos deparemos pois, como refere o Bradley Schurman, autor do livro The Super Age, “Esta mudança sísmica no mundo pode vaticinar um período de tremendo crescimento e transformação ou, por outro lado, deixar parte de nós para trás. A escolha está nas nossas mãos.”

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